01/12/2015
A entrada em análise.
Assim como a entrada em análise se dá a partir de um incômodo, um descontentamento, uma demanda, a mola propulsora da escrita dos meus textos acontecem assim também.
Recentemente publiquei uma reflexão escrita por mim na rede social e recebi diversos comentários sobre o tema. Eis a reflexão e o início que se transformou neste artigo:
APENAS o saber através dos livros, estudos, não garante você Ser um profissional. Principalmente na área psi ( Psicologia, Psicanálise) é extremamente importante sua análise pessoal. Como você ajudará o outro se você está enfraquecido? Conhecer e percorrer a sua própria travessia da angústia e da fantasia, é o que o tornará capaz de ajudar o outro a florescer. Seja lá qual caminho o outro decidir percorrer. Isso é ético. ”De todos os meus pacientes, eu sou o que requer maiores cuidados”. S. Freud
“Freud nos orienta com grande propriedade sobre a necessidade de dedicar-se a análise pessoal num encontro com a verdade do outro como fator fundamental na formação daquele que busca se tornar psicanalista. Na realidade, Freud reconhecia o valor da análise pessoal como requisito primordial, sendo qualquer outra preparação uma extensão desse processo.”
Mas buscar uma análise só porque quer Ser psicanalista, ou só porque faz curso de psicologia, não garantirá o Ser profissional, e nem ajudará o outro.
Quando se dá a entrada em análise ?
Uma citação para refletirmos: “E por que reparas tu no argueiro que está no olho do teu irmão, e não vês a trave que está no teu olho?” Mateus (cap. 7 vs.3). É o sofrimento e as incertezas que conduzem um sujeito à entrada em análise, não apenas o fato, como uma condição apenas por ser estudante da área psi. Uma análise começa com uma demanda, o analista deve visar o seu além, para saber precisar o seu aquém que é o desejo. Desejo fio condutor que implicará um sujeito na realidade do seu inconsciente. Inconsciente que só conhece uma lei: a que pede para reencontrar o objeto perdido, objeto causa do desejo.
Para se dar a entrada em análise precisa haver demanda, desejo e implicação para se dedicar na análise. O que é demanda? A demanda é o conceito que orienta o analista na construção do caso que se apresenta no divã.
Há uma diferença entre queixa e demanda.
A queixa é o primeiro momento de contato entre paciente e terapeuta e dirá sobre os conteúdos manifestos e explícitos dos sintomas e nós analistas escutaremos sobre os conteúdos latentes, os conteúdos implícitos relacionados a ela: a demanda e o desejo.
Segundo Freud, a força motivadora primária na terapia é o sofrimento do paciente e o desejo de ser curado que deste se origina. Desse modo, o sofrimento seria o responsável pela procura de ajuda profissional e manteria o paciente em terapia a fim de decifrar seus enigmas.
Onde está o fogo que arde sem ser visto?
“O milho de pipoca que não passa pelo fogo, continua a ser milho de pipoca. Assim acontece com a gente.As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo. Quem não passa pelo fogo fica do mesmo jeito, a vida inteira. “Rubem Alves”
A escuta do psicanalista vai além daquilo que é dito, além da escuta sobre a queixa inicial, assumindo a existência do sentido na alma da palavra, o que implica a não existência de um sentido unívoco, pleno e homogêneo.
Poderíamos pensar num jogo com as palavras: Pedido, queixa, e demanda. Nesta mesma sequência de equivalência: precisar, poder, querer.
Cito alguns exemplos de queixa inicial: dificuldade de aprendizagem e comportamento no caso de crianças e adolescentes; dificuldades clínicas com adultos resistentes a determinado tratamento; o adolescente que comete um ato infrator, a dependência química, o vício em compras, uma compulsão por comida; etc… problemas emocionais de todo tipo: sendo ansiedade e depressão os mais frequentemente diagnosticados por alguém da área médica ou mesmo psi. Eis um nome para a queixa inicial. Mas o que há implícito nesta queixa ?
Neste primeiro momento de escuta e acolhimento destas queixas iniciais, cada uma com a sua particularidade e individualidade, cabe ao profissional fazer uma distinção das queixas e demandas para desfazer equívocos, e só mesmo a partir de uma escuta atenta fazer desaparecer a demanda “fora do lugar” ( Figueiredo, 1997, p. 50 ) e dar lugar a outra demanda que possa ser remetida à psicanálise. Isto é possível quando reconhecemos “a diferença entre escutar uma queixa e escutar uma questão do sujeito” ( Figueiredo,1997, p.53 ). Ajudar o paciente que nos procura a falar, a dar sentido ao seu sofrimento psíquico, abrindo novas possibilidades de subjetivação para novas identificações, motivando a criatividade, são pontos que nos levam a esta questão do sujeito, demanda para entrada em análise.
A noção de demanda em psicanálise tem uma significação particular. Diferentemente da necessidade, que é de ordem orgânica e visa um objeto específico (comida, água, sono…). A demanda é de ordem psíquica e visa sempre uma outra coisa – visa sempre o Outro – comporta um pedido de reconhecimento, de amor, de preenchimento.
Na necessidade, o mal-estar se dá no organismo como a fome, por exemplo. Na demanda, o mal-estar está no sujeito pelo fato de sentir que algo lhe falta, algo que ele não sabe o que é, mas supõe que o Outro tenha e que, de alguma forma, lhe possa dar.
A demanda é sempre demanda de algo que possa eliminar a falta-a-ser. Na origem da falta-a-ser está a castração, que por sua vez condiciona o desejo que mobiliza a demanda.
A demanda está, então, para além da necessidade, está no registro do desejo, e o desejo tem como condição manter-se insatisfeito (uma vez que seu objeto não existe – a demanda tem relação com o impossível).
A demanda tem dois momentos distintos no trabalho analítico:
- A queixa – sempre carregada de angústia, de um sofrimento muitas vezes difuso, sem sentido. O pedido de ajuda feito ao analista é para que ele alivie o mal-estar e às vezes da forma mais imediata possível. A queixa do sujeito refere-se ao Outro, a causa do mal-estar está em algo que está fora do sujeito, e o problema é entregue ao analista. Por conta dessa dor, o sujeito não pode trabalhar, ou se relacionar, ou dormir, ou pensar. Suas funções estão prejudicadas e o que ele espera, então, do analista é uma solução funcional.
- O trabalho de retificação – passo necessário para que a análise ocorra. Se o analista se lançar à tarefa de “restauração funcional”, a análise estará fadada ao fracasso. O analista não pode trabalhar no plano da queixa, não pode responder à demanda de satisfação, primeiro porque a satisfação é impossível, segundo porque não é disso que se trata.
A psicanálise propõe como proposta de tratamento preliminar : a transformação da demanda de tratamento em tratamento da demanda.
O sujeito vê o momento de entrada em análise como um conflito, uma crise. É uma escolha não-forçada, mas que pede ao sujeito uma decisão favorável à análise, apenas o analista lhe abre a porta e com seu ato de aceitação, faz-se suporte do sujeito-suposto-saber.
Portanto, a entrada em análise é o aparecimento de um sujeito em transferência. E se a análise é o encontro dialético de dois participantes, e só a título de um lugar terceiro que se estabelece esta dialética, já que a psicanálise não é o exercício de uma intersubjetividade, então o analista não entra na operação como sujeito, ele não coloca sua subjetividade. Sujeito é o paciente, e se o chamamos no início “sujeito”, é gratuitamente, já que nada no princípio nos permite dize-lo.
O afeto que vemos aparecer, o mais conhecido é o amor, é um efeito do estabelecimento deste SsS. Amor, que sendo a marca da mudança de discurso, modifica a queixa em demanda analítica.
Assim, o início de uma psicanálise – a “entrada em análise” como é nomeada – apresenta-se como um momento crucial, decisivo tanto para aquele que procurou um analista e se pôs a falar, quanto para o que sustenta a seu modo, a invenção de Freud. Momento de tudo ou nada, o que, por si só, já aponta para o Real. Momento crucial frente a um posicionamento de um sujeito em relação a seus ditos, em relação ao significante, em relação ao sintoma.
Se existem a demanda e o desejo… A psicanálise é para todos.
Escrito por:
Caroline Gouvêa S. Wallner *– Editora e responsável pelo site e redes sociais Psicanálise e Amor: uma transmissão.
caroline@psicanaliseeamor.com.br
Atende em Sorocaba/SP –www.sorocabapsicologa.com.br
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Referências Bibliográficas:
FREUD, S. Um tipo especial de escolha de objeto feita pelos homens. Obras completas. Vol. XI.
FREUD, S. A iniciação do tratamento. Vol X. Ed. Delta.
LACAN, Jacques,1901-1981O Seminário, livro 5: as formações do inconsciente (1957- 1958).
LACAN, J. Duas notas sobre a criança. In: Opção Lacaniana, Revista Brasileira Internacional de Psicanálise. Nº 21. Abril de 1998. p. 5
PRADO, Antonia Claudete Amaral Livramento . Demanda e tratamento psicanalítico na clínica dos novos sintomas. Seminário de Novembro de 2009. Centro Lacaniano de Pesquisa em Psicanálise.
RODRIGUES, Soraia Souza. DEMANDA E DESEJO EM PSICANÁLISE. Janeiro de 2010. Centro Universitário Jorge Amado – Unijorge em Salvador (Bahia, Brasil)