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O início da análise na Psicanálise

Quando dizemos que uma pessoa está fazendo análise, queremos dizer que esta pessoa está fazendo um tratamento clínico com psicanálise, ou seja, ela faz terapia com um psicanalista.

Neste texto você aprenderá como é o início de um processo de análise, e falamos também sobre a diferença entre demanda e desejo. Utilizaremos a teoria de Freud e algumas elaborações de Jacques Lacan, fazendo referência principalmente a Jacques Allain Miller.

O inicio de uma análise, segundo Jacques Allain Miller, não pode ser pensado sem sua inter-relação intrínseca ao fim. Isso porque, para o próprio paciente entrar em analise já implica projetar um fim para a mesma, e para o analista, o inicio assinala o abalo do fantasma (ou fantasia), e o fim, a travessia deste.

A questão do desejo, no plano teórico da psicanálise, pode ser traçado desde o Projeto para uma Psicologia Científica (que enquanto projeto só foi publicado postumamente) no qual Freud o elabora. Sendo que o que marca propriamente esta elaboração – no campo teórico da psicanálise propriamente dita, embora este conceito perpasse toda a obra do autor – pode ser melhor traçado no Interpretação dos sonhos.

Neste livro, Freud define o desejo como sendo a força que traz o elemento mnêmico de uma experiência de satisfação. Neste sentido, o elemento primordial da satisfação do sujeito, o protótipo de satisfação, é o seio materno. Por essa via, é que lemos Freud ao escrever que o “sentido de todos os sonhos é a realização de um desejo”. (Freud, 1992 :153). Para Miller, “o desejo é um conceito complexo, que segundo Freud, pode ser recalcado e aí realizado nos sonhos, e, sobretudo, pode ser modificado na experiência analítica”. (Miller, 1997: 35).

“o desejo é sempre um lamentar-se, um deplorar, uma nostalgia ou um anelo, de tal maneira que, se buscarmos a palavra desejo em Freud, vamos encontrá-la predominantemente na palavra Wunsch – o anelo que segundo ele, está em cada sonho e aí se satisfaz” (Miller, 1997:447).

O desejo “é uma pergunta, uma interpretação, conflui com o discurso” (Miller, 1997: 339); a relação entre demanda e pulsão: “a pulsão designa um nível onde o sujeito parece estar sob uma demanda, da qual não pode se defender”. (Idem).

Em outras palavras, “Em Freud, a pulsão é uma demanda muito particular: não pede nada a ninguém” (Miller, 1997:445). Ainda segundo Miller, “o que chamamos desejo é algo que pomos não ao nível de significante, mas debaixo dessa articulação, (S1 S2/d), como algo que circula entre os elementos da articulação mecânica e que não responde ao mecanismo” (Miller, 1997: 340)

Foi Lacan, quem introduziu esta distinção entre demanda e desejo (D/d) da qual, segundo Miller, “a matriz de todas essas distinções é a distinção primária entre significante e significado (S/s; S1 S2/d; E/ e; D/d)” (Idem). De modo que o desejo não pode ser dito, ao menos de forma direta; é o que não se consegue dizer dentro do que se diz: “o desejo aponta para uma impotência da palavra e, mais além, para uma impossibilidade”. (Miller, 1997: 449).

Há a formulação lacaniana, desenvolvida, segundo Miller, a partir do Relatório de Roma, de que “O desejo é o desejo do outro” (Lacan apud Miller, 1997: 50). Definição ambígua, ou melhor, que pode ser desenvolvida na abertura que permite nas próprias palavras da formulação, em sua oscilação de desejo imaginário ou de desejo simbólico.

Miller (1997: 353), em seu seminário A patologia da ética, diz que na analise: “há momentos de ‘quero saber’ e outros onde, ao contrario, dentro do ‘quero saber’ há o ‘não quero saber (…) Para utilizar a barra (…) há um ‘quero saber’, que se pode apresentar enunciado como uma demanda, quando o desejo secreto dentro é ‘não quero saber’ de nada.

“Quero saber” D

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“Não quero saber” d

Na relação da entrada em analise, seguindo o percurso de Miller, em seu texto Demanda e Desejo, a demanda deve no inicio de uma analise ser abandonada, já que “toda demanda é fundamentalmente sem saída e porque é preciso desistir da própria demanda” (Miller, 1997:440), e paralelamente o fim de analise poderia ser definido como a desistência radical de toda demanda endereçada ao Outro, sem que esta demanda seja deslocada para outros.

A demanda, de acordo com o mesmo texto, tenta, em seu pedido ao Outro, preencher uma falta impossível de ser preenchida na falta-a-ser que é o sujeito. A desistência de tal pedido, de tal demanda, pode ser relacionada com a destituição subjetiva, na qual “se perde para o sujeito toda a possibilidade de obter um lugar no Outro” (Miller, 1997: 441).

E, o desejo do mesmo pode, pode ser descrito de acordo com a falta, na medida em que “seu motor e sua causa são sempre uma falta (…) Falta um objeto – que dizemos perdido – e o essencial é que o objeto reencontrado nunca é o adequado”. (Miller, 1997: 447).

Miller, neste trecho abaixo citado, correlacionada os dois termos lacanianos, de demanda e desejo, com a entrada em analise:

A entrada em analise precisa ser solicitada, mas o sujeito que faz uma demanda de analise não sabe o que está pedindo. Deve-se somente aceitar uma demanda de analise se, mais além da analise que é pedida, o analista consegue entender o que o sujeito deseja.

É por isso que se necessita não de uma demanda determinada, para que se aceite um sujeito em analise, mas de um desejo decidido que não tem nada a ver com o imperativo, com a urgência, a pressão, e que é escutado entre as palavras. (Miller, 1997:451).

A importância teórica do conceito de desejo é evidente, e por diversas vezes, e através de diversos autores, foi colocado enquanto o ponto central da elaboração teórica da psicanálise.

Por outro lado, o conceito de demanda, não foi utilizado por Freud, mas sim elaborado por Lacan, sendo que ambos representam uma oposição fundamental na clinica e em sua elaboração teórica, que pode ser remetida a sua distinção primordial de significante e significado, à medida em que ele elabora a ideia do inconsciente estruturado como uma linguagem.

A relação destes dois conceitos, tão fundamentais quanto complexos, em sua relação com a clinica, tanto em seu inicio como em sua conclusão, deve ser antes de tudo pensando em função das três estruturas clinicas desenvolvidas por Lacan: neurose, perversão e psicose.

No entanto, alguns princípios podem ser colocados, de forma preliminar, ou seja, a necessidade de não se atender a demanda do analisando, ou do sujeito que inicia uma analise, para que então, a questão do desejo emerja. Em outras palavras, a demanda deve ser abandonada pelo sujeito.

Além disso, como ficou exemplificado, na fala supracitada de Miller que correlaciona demanda, desejo e inicio de analise, de que para o analista, sob o seu ponto de vista, não é necessário uma demanda determinada, mas sim que este perceba para além da demanda solicitada o desejo do sujeito enquanto tal, ainda que este desejo, sempre escape às palavras.

Referências Bibliográficas

Freud, S. A interpretação dos sonhos. Volume 1, , São Paulo: Circulo do Livro, 1992.

Miller, J. Lacan elucidado: palestras no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.