Uma criança ” boazinha” desde muito cedo vai sacrificando algo dentro de si para ser ” bem” vista, agradável, para no final receber a recompensa do Outro pelo seu ótimo comportamento obediente.
– O Outro que diz: ” Você não se comportou bem, fez coisas feias, então o papai Noel ficou bravo e não trará seu presente”.
Essa criança ” super boazinha e obediente” ” não dá trabalho” para os outros, mas dá muito trabalho para si mesma, desde a mais tenra idade.
Ela desde muito cedo vai deixando de desenvolver a capacidade de internalizar seus próprios limites pois não pode fazer o teste com a realidade, não consegue dizer não para o outro , não digere a tolerância e a frustração. Dentro do seu mundo interno alguém vai lhe dando muita bronca para reprimir seus impulsos a fim de ganhar a ” perfeição” como prêmio.
Essa criança vai interpretando e lendo as situações da vida de uma forma muito dura consigo, principalmente se culpando toda vez que precisar falar um não, colocar um limite para si e para o outro. Essa criança na grande maioria das vezes teve que sacrificar sua infância ( cometer erros, errar, cair, falar coisas erradas, vacilar no seu comportamento) para adultecer rápido e se moldar no padrão do desejo do Outro ( mae, pai,” adulto”) para ser aceita e desejada. Teve que suprimir e recalcar muita coisa desde muito cedo para existir diante deste “adulto”.
É preciso ter cuidado quando há um dizer sobre uma patologização em massa sobre o tal comportamento dito, muitas vezes rotulado de desviante, hiper- ativo, desafiador, desobediente, entre outros. Na maioria das vezes a criança só está desenvolvendo a capacidade de dizer e tolerar um não, reconhecer seus limites e desenvolver a resiliência.
As crianças precisam de um ADULTO com capacidade de tolerância para auxiliá-las nesta travessia que é trabalhosa para ambos. E é assim que a criança lá na frente, quando adolescente e adulta, tornar-se-á mais capaz de ler e interpretar os desafios e adversidades constantes da vida com mais tolerância, menos culpabilização e intensidade de sofrimento. Ela aprende a dizer e receber um não do e para mundo externo, e sim para ela.
O que vejo cada dia mais no meu consultório são crianças e adolescentes sendo “criados” por outras crianças e não por Adultos. Aparece a criança no adulto se relacionando com outra criança. Precisa aparecer um Adulto que tolera e mostra suas frustrações e limites para a criança, para que ela aprenda, desenvolva , cresça e se torne um Adulto também capaz de reconhecer os seus limites, suas frustrações e o desamparo sem culpabilizar o outro externo: “não fui eu que, foi você que…” essa frase reforça a criança infantilizada impedida de crescer e se responsabilizar por suas limitações , erros e fracassos.
Caroline Gouvêa
CRP04/25492
Psicanálise, Saúde Mental e Atenção Psicossocial
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