O estigma, a loucura e a doença.
Escrito por: Caroline Gouvêa S. Wallner- 18/05/2017
O Bicho
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem. (Manuel Bandeira)
Durante séculos o sujeito, considerado doente mental, não apenas pela medicina, mas também julgado pelo olhar da sociedade, sentiu de perto o estigma por ser visto como “louco”. A loucura associada à doença mental.
Nos séculos XV e XVI não havia qualquer proposta de tratamento para os” loucos”, eles eram abandonados à sua própria sorte, para morrer de fome ou por ataques de animais e serem excluídos para fora dos muros da cidade – o que era mais comum aos loucos estrangeiros. (Foucault, 1995).
E antes de se tornar um tema essencialmente médico, o louco habitou o imaginário popular de diversas formas. De motivo de chacota e escárnio, a possuído pelo demônio, até marginalizado por não se enquadrar nos preceitos morais vigentes, o louco era, e ainda é um enigma que “ameaça” os saberes constituídos sobre o homem.
Estígma é definido como um atributo profundamente depreciativo, que os olhos da sociedade serve para desacreditar à pessoa que o possui, contribuindo para a discriminação social.
Foi no século XVII que a loucura começou a ser objeto de exclusão visível, eram confinados em casas rotuladas especificamente para este fim, concomitante iniciou o estudo da doença mental através da medicina. Foi necessário segregar.
A doença mental começou a ser rotulada e discriminada de forma a excluir àqueles que naquela época possuíam traços de comportamento que não condiziam com a “normalidade” da sociedade. Na Renascença, a segregação dos loucos se dava através dos muros construídos nas cidades europeias, e o seu confinamento era errante: eram condenados a andar de cidade em cidade ou colocados em navios que, na inquietude do mar, vagavam sem destino, chegando, ocasionalmente, a algum porto.
No entanto, desde a Idade Média, os loucos são confinados em grandes asilos e hospitais destinados a toda sorte, nomeados de indesejáveis – inválidos, portadores de doenças venéreas, mendigos e libertinos. Nessas instituições, os mais violentos eram acorrentados; e a alguns era permitido sair para mendigar. Foi a partir desta exclusão que a medicina começou a se dedicar para estudar, separar e nomear os determinados tipos de comportamento. Isso aconteceu no final do século XVIII e foi marcada pela figura de Philipe Pinel. Ele criou o alienismo , reunindo três dimensões: o espaço institucional ( hospital psiquiátrico), o arranjo nosográfico das doenças mentais e a relação de poder entre médico e doente mental. ( Castel 1991; Barros e Egry, 2001).
Assim aconteceu o advento da clínica psiquiátrica e das internações. Para Goffman (2004) foi durante a transição do século XVIII para o XIX que nasce o estigma da loucura, pois a medicalização da loucura no século XIX implica numa nova condição jurídica , social e civil do louco, pois em 1838 o parlamento francês aprova a primeira lei da Europa sobre os alienados, reforçando os aspectos de periculosidade e ordem publica, presentes na psiquiatria até os dias atuais. (Barros e Egry, 2001). Portanto a herança cultural de que o louco é agressivo, perigoso e impossibilitado de trabalhar, veio de leis como essa.
A estigmatização vem acompanhando a história e a evolução da humanidade no que tange doença mental e os movimentos que se organizarão sobre a assistência.
Quando rotulamos alguém, não olhamos para o que essa pessoa realmente é ou sente, e isso dificulta a busca por ajuda necessária para a possibilidade de alívio deste sofrimento.
O estigma é gerado pela desinformação e pelo preconceito, e cria um círculo vicioso de discriminação e exclusão social, que perpetuam a desinformação e o preconceito. As consequências para as pessoas que sofrem o estigma e discriminação são muito sérias:
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O estigma e a discriminação tornam –se mais difíceis, para as pessoas que sofrem de algum transtorno mental, no reconhecimento de que têm algum problema, e posteriormente procurar apoio e tratamento.
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Por causa do estigma e da discriminação, as pessoas que sofrem com os transtornos mentais são frequentemente tratadas com desrespeito, desconfiança ou medo.
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O estigma e a discriminação impedem as pessoas que tem problemas de saúde mental de trabalhar, estudar e de relacionar-se com os outros. Inicia-se o processo de isolamento.
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A rejeição, a incompreensão e a negligência exercem um efeito negativo na pessoa, acarretando ou aumentando o autoestigma, como por exemplo: a imagem negativa que as pessoas com esquizofrenia desenvolvem a respeito de si. Estudos têm mostrado que o estigma é a influência mais negativa na vida das pessoas com algum transtorno mental
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A discriminação causa dano, destrói a autoestima, causa depressão e ansiedade, cria isolamento e exclusão social.
As estratégias para mudar atitudes estigmatizantes usualmente envolvem educação (informações sobre as doenças mentais) – que não se mostra duradoura e não necessariamente muda atitudes, contato por meio da interação direta de pessoas com doença mental e protesto (buscando suprimir atitudes estigmatizadas, principalmente na mídia), sendo esta última a menos eficiente. Atualmente, estratégias têm sido preconizadas de forma a promover a participação efetiva do paciente no planejamento terapêutico e na própria avaliação dos serviços de saúde mental.
Acredito que o caminho para reduzir o estigma seja o afeto, através da inserção do sujeito no discurso, dando a ele a possibilidade de um nome, uma referência e um lugar no mundo, integrando o que é individual e particular para cada sujeito no social associado com o sistema e com o outro da relação.
”Longe de a loucura ser um fato contingente das fragilidades de seu organismo, ela é virtualidade permanente de uma falha aberta na sua essência. Longe de ser um insulto para a liberdade, ela é sua mais fiel companheira, seguindo seu movimento como uma sombra. E o ser do homem, não somente poderia ser compreendido sem a loucura, como não seria o ser do homem se, em si, não trouxesse a loucura como o limite da liberdade.” Lacan,J., “Formulações sobre a causalidade psíquica” in Escritos .J. Zahar ed..,R.J., 1988.
Escrito em: 18/05/17
- Caroline Gouvêa S. Wallner- Psicóloga Clínica desde 2006, pelo CES/JF, CRP04/25492. Estuda, vive e pratica a psicanálise há 16 anos, Especialista em Saúde Mental e Atenção Psicossocial pela Estácio de Sá. Pesquisadora em casos de Depressão e Ansiedade. Atende Adolescentes e Adultos. carolinegouveapsi@gmail.com
Referência Bibliográfica:
http://www.abrebrasil.org.br/web/index.php/esquizofrenia/estigma
BANDEIRA, Manuel. Belo Belo.publicado em 1948.
BARROS S e EGRY EL, O louco, a loucura e a alienação institucional: o ensino de enfermagem sob judice. São Paulo. Cabral, 2001.
CASTEL, R. A ordem Psiquiátrica: A idade de ouro do alienismo. 2ed. Rio de Janeiro: Graal, 1991.
FOUCALT, M. A história da loucura na idade clássica. 4 ed. São Paulo: Perspectiva. 1995.
LACAN,J., Formulações sobre a causalidade psíquica. in Escritos .J. Zahar ed..,R.J., 1988