Caroline Gouvêa*– 18/05/2020

1 – O que é mania? Como é definida do ponto de vista da psicanálise?

Freud, médico neurologista e fundador da psicanálise abordou sobre a Mania associada a Melancolia. Neste caso, a mania como excitação do humor seria uma das fases da melancolia.

Nos casos de neurose obsessiva, um distúrbio que produz sofrimento psíquico e que aponta para os impasses do sujeito com o seu desejo inconsciente, compondo, juntamente com a histeria, as neuroses de transferência, podemos percerber nos rituais obsessivos alguns atos repetitivos, excessivos e descontrolados como forma de evitar a ansiedade.

É importante ressaltar que a psicanálise não observa apenas os sintomas aparentes nomeados pela psicopatologia e nosologia psiquiátrica, ela vai além, se importando com os traços e a forma de funcionar da estrutura psíquica. Para ela os sintomas não são desordens.

Acessamos ao inconsciente através das suas formações: atos falhos, sonhos, chistes e sintomas diversos expressos no corpo e na linguagem. O inconsciente opera por mecanismos de deslocamento e condensação.

O limiar entre o “normal” (não gosto muito desta palavra porque trás consigo uma questão da norma), e o patológico (no sentido do transtorno) é abordado pela psicanálise de forma individual, particular e singular para cada sujeito. Para a psicanálise há no sujeito que sofre algo além da sintomatologia, da doença física ou psíquica, ou do transtorno. O sofrimento é uma marca indelével do ser humano. A psicanálise se preocupa com a posição subjetiva do sujeito perante seu sofrimento, perante seus sintomas aparentes no âmbito físico, psíquico ou social e como esses sintomas estão impactando sua vida.

Nos casos de neurose obsessiva que há uma compulsão à repetição, quando estes pensamentos obsessivos são acompanhados por ações ritualizadas, podemos, por exemplo, ter mania de limpeza, mania de organização, mania de assistir filmes, mania de colecionar jogos, etc… Algumas dessas “manias” de alguma maneira podem fazer parte do nosso dia a dia e não comprometer a estabilidade do nosso funcionamento psíquico. São formas que nos ajudam e ou auxiliam nas nossas tarefas diárias, ou na organização da rotina, ou nos mantém conectados para interagir com o outro. A questão do transtorno no sentido patológico está quando esses rituais se tornam excessivos, repetitivos como algo que o sujeito não pode deixar de fazer pois gera muita ansiedade.

Nos estudos psicanalíticos sobre a melancolia, teremos a Mania como uma forma de excitação eufórica existente nas flutuações de Humor. Temos que lembrar que todos nós passamos por fases em que estamos mais empolgados ou mais desanimados, e essas ocorrências são naturais na vida humana.  Por exemplo: ora podemos estar tristes, como podemos estar empolgados ou eufóricos com algum fato ou situação. A questão seria o limiar destas alterações. As oscilações de humor embora variem de frequência e amplitude, elas visam restituir o equilibro do nosso funcionamento psíquico. Embora em alguns casos essas alterações persistam ao longo da vida podendo se agravar. A questão é perceber o grau de prejuízo que essas oscilações podem ocasionar na vida de cada pessoa.

No caso do transtorno obsessivo-compulsivo, mais conhecido como TOC, nome designado pela psiquiatria pela facilitar a comunicação entre os profissionais da saúde, é marcado pelas ideias obsessivas e pelas compulsões em rituais e manias que ocorrem de forma persistente, podendo afetar rotinas, relações pessoais e profissionais do sujeito acometido por este transtorno, podendo tomar horas do dia, fazendo com que este, muitas vezes se isole para que seus rituais não sejam percebidos por familiares e amigos.

Já na neurose obsessiva descoberta por Freud, estão também presente os traços das ideias obsessivas que ficam ruminando na mente, que são irreais, de auto-recriminação e que lhe permite duvidar e até os rituais. O sujeito obsessivo está preso à idéia de morte. Para a psicanálise a neurose obsessiva é um distúrbio que produz sofrimento psíquico e que aponta para os impasses do sujeito com o seu desejo inconsciente.

Para poder diagnosticar uma pessoa com TOC é necessário que as ideias obsessivas mais os rituais compulsivos estejam interferindo ou limitando a realização de suas atividades diárias, que causem sofrimento ou incômodo ao sujeito e que consumam tempo. Mesmo sendo os sintomas mais característicos do TOC, as obsessões e as compulsões acompanhadas de rituais e manias, não podem ser consideradas separadamente durante o processo diagnóstico, afinal esses mesmos sintomas são parte de outros quadros clínicos como depressões, esquizofrenias e demências. Podendo ainda, ser consideradas manifestações normais em certas etapas da vida.

2 – Uma mania pode se tornar uma doença? Em quais circunstâncias? Como reconhecê-la?

Uma mania no sentido de transtorno psíquico, que limita o sujeito e pode causar algum prejuízo a si mesmo e ao outro, sim.

No caso do transtorno obsessivo compulsivo, a partir do momento em que tais comportamentos repetitivos, excessivos, descontrolados se tornam imperativos e controlam a vida do indivíduo, causando sofrimento e prejuízo em sua vida social e emocional, podemos estar diante de um transtorno que requer tratamento.

Como reconhecê-la? A partir do momento em que tais comportamentos se tornarem imperativos e controlarem a vida do indivíduo, causando sofrimento e prejuízo em sua vida social e emocional, podemos estar diante de um transtorno que requer tratamento.

3 – É possível evitá-la? 

No sentido de evitar o sofrimento talvez não. Para a psicanálise, os sintomas são uma tentativa de estabilizar a estrutura de funcionamento psíquico.  O que é possível em alguma medida no caso da neurose obsessiva é abrandar os sintomas para lidar com um pouco mais de flexibilidade e estabilidade perante à necessidade inconsciente de controle.  Um sujeito pode ter uma estrutura neurótica com traços obsessivos e  atuar de forma compulsiva com os rituais menos prejudiciais. Porém quando a estrutura neurótica com traços obsessivos também está acompanha dos rituais repetitivos e excessivos que paralisam o sujeito ao ponto de lhe causar algum prejuízo, temos a forma patológica e o transtorno.

4 – Manias da infância costumam se perpetuar na idade adulta?

Talvez sim ou não. Algumas manias fazem parte da rotina natural das crianças e algumas até são esperadas na adolescência. Porém se essas manias se apresentarem de forma excessiva provocando algum prejuízo como isolamento, medo, agressividade e se não forem elaboradas e superadas desde o momento em que aparecem de forma excessiva, podem sim perpetuar na idade adulta.

As manias aparentes no TOC, por exemplo, podem ter um impacto profundo na vida de pessoas adultas e de sua família, esse impacto pode ser ainda maior quando apresentado numa criança em pleno desenvolvimento e ainda mais em períodos críticos como a adolescência.

A psicanálise trabalha com o sujeito, seja ele criança, adolescente ou adulto, para que consiga conviver na melhor maneira passível com sua estrutura, seus traços e modo particular de funcionar. Lembrando que a psicanálise vai escutar o sujeito além dos sintomas.

5 – Manias adquiridas na idade adulta podem ser mais fáceis de serem eliminadas?

Às vezes não. Em relação à eliminação dos sintomas, eles até podem ser alcançados em muitos casos. Em outros, trabalha-se em busca do abrandamento dos sintomas, para que o sujeito possa seguir com sua vida, sem tantos prejuízos. Isso vai depender da possibilidade de cada um de simbolização e elaboração, seja criança, adolescente ou adulto. Essa simbolização vai depender da estrutura do sujeito, do desejo e do vínculo transferencial com o analista. Se pensarmos que as crianças simbolizam suas dificuldades em se relacionar com o outro, seu sofrimento e frustração através do lúdico nas brincadeiras, nas fantasias, é possível sim trabalhar com as crianças na tenra idade para elaborarem seus traumas, de forma que simbolizem e reajustem seu sofrimento o quanto antes para que possam se desenvolver na fase adulta com um menor dano ao modo de funcionamento psíquico.

O importante é que as pessoas busquem ajuda o quanto antes. Logo que perceberem que seu comportamento está lhe causando prejuízo – em algum momento, seja na infância, na adolescência ou na fase adulta – deve procurar ajuda pois existe sim tratamento. Se vai haver a supressão total da sintomatologia, ou apenas seu abrandamento, é impossível saber de antemão. O que se sabe é que atualmente dispomos de recursos através das ciências da saúde que se complementam e que não só podem como devem ser utilizados em conjunto, buscando o alívio do sofrimento e a recuperação da energia de vida.

6 – Até que ponto uma mania pode impactar na vida de uma pessoa? Esse impacto pode ser benéfico de alguma forma?

A mania pode impactar a vida de uma pessoa em várias formas, tanto no aspecto dos traços obsessivos com seus rituais repetitivos, quanto na forma da mania que está atrelada à melancolia. Ambas as formas de expressão é uma formação do mecanismo de defesa para que o psiquismo volte ao equilíbrio.

Esse impacto pode ser benéfico se esses rituais excessivos se deslocarem, por exemplo, para uma forma criativa, inovadora e sem prejuízos. Por exemplo: O caso de uma pessoa com uma mania de limpeza que abrandou essa forma excessiva e descontrolada para um empreendimento, um negócio voltado para o ramo de limpeza, onde ele é quem supervisiona a efetividade do trabalho das suas funcionárias. Ele continua com a mania de limpeza, porém ela foi deslocada para algo produtivo, sem lhe causar prejuízo e isolamento.  É o que chamamos de sublimação em psicanálise. Mas a construção desse deslocamento é individual, particular e muito singular para cada pessoa.

7 – Há classificações para as manias? Por exemplo: mais simples, mais complexas, preocupantes, estressantes, etc.

A classificação psicanalítica não comporta categorias diagnósticas. Em psicanálise não medimos os sintomas de forma quantitativa por critérios, analisamos a estrutura de funcionamento. Na psicanálise, o diagnóstico busca identificar estruturas de sentido: neurose, psicose e perversão, definidas pelo mecanismo de defesa de cada sujeito, e qual a posição que o sujeito ocupa perante aquele sofrimento.

A psicanálise trabalha com a posição do sujeito além do diagnóstico. Temos a estrutura de funcionamento como orientação para o tratamento no âmbito transferencial. Percebemos o avanço ou intensidade das crises diretamente relacionado ao rompimento da estabilidade da estrutura do sujeito.

Por exemplo, no caso da mania acompanhada da melancolia, embora as oscilações de humor variarem em frequência (tempo de duração de cada fase) e amplitude ( grau de intensidade de cada uma delas), em muitos casos o paciente alterna os quadros maníacos e melancólicos a intervalos cada vez mais curto, porém há aqueles que apresentam apenas um quadro maníaco e um melancólico ao longo de toda vida. Freud esboçou algumas hipóteses sobre o mecanismo psíquico da melancolia, que em via de estrutura está relacionada com a psicose, salientando que sua característica mais notável é se transformar em mania a fim de restabelecer as desordens do mesmo complexo de origem. As defesas do ego em manias, protegem o ego do desespero total e muitas vezes consistem na única forma de superar o sofrimento. Talvez a maior dificuldade no caso da melancolia e mania seja diferenciar o limite entre o normal e o patológico. Cabe ao próprio sujeito perceber o grau que essas oscilações provocam como prejuízo na sua vida.

8 – Há pessoas que se orgulham de suas manias? Isso é saudável?

Sim, há pessoas que se orgulham de suas manias. Por exemplo, algumas pessoas que apresentam uma preocupação excessiva com a simetria, com o alinhamento ou exatidão, se elas atrelarem isso a uma forma produtiva para executar sua profissão, essa mania pode ser benéfica para o sujeito.

Outro exemplo, na adolescência, são esperados interesses intensos por celebridades, artistas, estilos musicais ou por uma determinada banda, bem como, a coleção de objetos ou roupas. Na maior parte das vezes, essas atividades têm um caráter lúdico, são prazerosas, persistem durante uma determinada fase do desenvolvimento, mas não interferem nas atividades diárias ou prejudicam o desempenho escolar, ao contrário dos rituais compulsivos que são acompanhados de medos, angústia e isolamento.

Portanto o benefício ou o malefício de cada mania vai depender de como cada sujeito se relaciona com isso.

9 – Manias podem esconder timidez, medo, insegurança ou fobia?

Na infância comportamentos repetitivos, rituais, medos e fobias eventuais, fazem parte do desenvolvimento normal e devem ser diferenciados dos sintomas do TOC. Por exemplo, crianças pré-escolares apresentam rituais principalmente nos horários de dormir (formas ritualizadas de dizer “boa noite”, higiene bucal), alimentação (dificuldade em misturar as comidas) e demorar no banho.  E esses rituais podem lhe trazer segurança. As manias ou rituais compulsivos que provocam prejuízo para o indivíduo podem promover o isolamento, a insegurança, o medo, a vergonha e às vezes até um pânico. Aquilo que foi recalcado apenas será possível ser acessado através da análise, pois isso é singular e particular para cada sujeito. O limiar entre a normalidade e a patologia será verificado pelo prejuízo que isso pode causar.

Como modo de defesa para que o psiquismo continue a funcionar podem esconder uma forma particular e individual de desejo, que por algum motivo precisou ser recalcado no inconsciente. Por exemplo: Um compositor, ao invés de denunciar essa ou aquela prática, vai fazê-lo através de um símbolo complexo, de uma metáfora. E esse apenas será acessado via transferência.  O mesmo acontece para um indivíduo com um desejo sexual que o ator­menta, por exemplo, mas sua forma­ção, sua educação, impedem-lhe de falar nele, e até de reconhecê-lo. Assim, o desejo não desaparece, será deslocado, expres­sando-o em linguagem camuflada, clan­destina, incompreensível e pode aparecer através dos rituais como forma de se defender dessa lembrança. A psicanálise é, portanto, a arte de descobrir as leis que esse desejo utilizou para se manifestar sem se trair a fim de reintegrar sua própria verdade.

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Sobre a Autora:  Caroline Gouvêa S. Wallner* CRP04/25492Psicóloga (2006); Especialista em Saúde Mental e Atenção Psicossocial; Psicanálise. Editora e responsável pelo o Psicanálise e Amor                        Atendimento clínico há 16 anos. Contato:  (15) 98119-7327 carolinegouveapsi@gmail.com

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