O amor entre mães, pais e filhos(as).
Como mãe também faço e farei tudo o que for possível pelas minhas filhas, mas como mãe não posso exigir tudo isso como um retorno do “esforço” e ou “sacrifício”( algumas mães nomeam desta forma) que fiz para minhas filhas, como se elas tivessem uma dívida a pagar. Elas(eles) não têm que pagar ou devolver! Os filhos(as) não são obrigados a devolver na mesma proporção tudo o que as mães e pais fizeram por eles, senão que amor é esse que eu dou e depois eu cobro como dívida ? O amor é isso? Um sacrifício para ser cobrado? Dar e receber na mesma proporção? Por que você quis ter filhos?
Difícil entender isso, difícil até para algumas mães reconhecerem que seus filhos não têm a obrigação de pagar por uma dívida ou por um “sacrifício” que fizeram em prol da maternidade e paternidade.
“A boa mãe é aquela que vai se tornando desnecessária com o passar do tempo”.
Ser desnecessária é não deixar que o amor “incondicional” de mãe, que sempre existirá, provoque vício e dependência nos filhos, como uma droga, a ponto de eles não conseguirem ser autônomos, confiantes e independentes. Prontos para traçar seu rumo, fazer suas escolhas, superar suas frustrações e cometer os próprios erros também. O amor é um processo de libertação e não de aprisionamento. E quando aprendemos a ser desnecessárias, nos transformamos em porto seguro para quando eles decidirem atracar. E nós filhos(as) voltaremos para nosso porto seguro.
E antes que alguma mãe venha me acusar de desamor explanarei sobre tudo isso baseado na minha posição de terapeuta, na construção clínica com meus pacientes e na minha análise pessoal (na minha posição de mãe e de filha). Convido-lhes a refletir e peço que se coloquem tanto no lugar de mãe, quanto no lugar de filha (o).
Através da minha análise pessoal me esforço para não cair neste lugar da mãe que cobra por receber aquilo que dá, uma vez que estes significantes rondam meus sintomas. Hoje minhas filhas gêmeas têm 05 anos e dependem de mim, mas quando elas estiverem voando, cada uma dirigindo sua própria vida, quero estar segura e preparada para ocupar este lugar “desnecessária”, e que assim elas voltem livremente, sem obrigação para isso. O que estou semeando hoje no vínculo entre mim e minhas filhas posso projetar a colheita do amanhã, mas sabendo que não estou no controle de tudo e que elas estarão livres para escolher.
Escuto várias respostas no consultório vindas da posição de mãe para a indagação: Por que você quis ser mãe? Respostas: …”porque já estou ultrapassando a idade para ter filhos”; “porque quero alguém para me fazer companhia além do meu marido”; “porque quero aproveitar a minha juventude junto com meus filhos”; “não escolhi ou desejei ter filhos, aconteceu”; “quero ter filhos para que sejam meus amigos(as)”… enfim cada uma com sua demanda . E se pensássemos na seguinte pergunta para os filhos: Se você pudesse escolher seu pai e sua mãe, seriam esses que você tem? Pensemos sobre isso.
É percebível no consultório uma hostilidade, às vezes muito intensa por parte dos filhos(as) para com estas mães ou pais que cobram por aquilo que fizeram , ou abriram mão de alguma coisa por seus filhos(as), e essa cobrança aparece como queixa diretamente na fala de algumas mães para com seus filhos, ou também nos comportamentos implícitos ou frases sugestivas lançadas nas redes sociais. E eles, filhos e filhas, sentem-se culpados por isso. Eles possuem culpa? Poderíamos prolongar e aprofundar nessas questões, mas neste artigo não o farei.
Como cobrar ou exigir do outro algo a fim de receber por aquilo que foi dado? O amor é permitir ao outro liberdade e não aprisionamento. O amor é incondicional ou impõe condições?
Escuto com frequência: “… damos amor e queremos receber amor. Amor é troca “. Não, amor não é troca. A troca é a base do comércio que, sim, ajuda a movimentar o planeta e a dirimir as diferenças entre os povos, porém, amor não é mercadoria para ser negociado. O amor tem que ser incondicional, sem exigir absolutamente nada de volta, ou não é amor.
“Não se pode cobrar nada em troca do amor, porque para existir de verdade o amor tem como premissa o desprendimento, a generosidade, a alegria, a liberdade, o perdão e a harmonia no convívio social. Ao dar amor nos enriquecemos na perfeita proporção da doação. O exercício do amor incondicional nos liberta e aperfeiçoa.”
Quando nos tornamos mãe esse sentimento de amor incondicional pelos filhos algumas mães sentem e o executam da melhor forma possível. Sabe daquela mãe desnecessária que falei anteriormente? Essa permitirá aos seus filhos essa liberdade de escolha para retornar ao porto quando desejarem, sem cobrança. É neste lugar e função de mãe que tenho me esforçado. Mas percebo que muitas mães ainda ocupam este lugar da cobrança pelo tempo e amor dedicado para com o cuidado dos filhos. Pai e mãe sempre serão nomeados desta forma e há uma responsabilidade eterna implícita e explícita nestes papéis, independente se seu filho(a) já está até casado(a) e com sua própria família. Por isso é tão difícil, confuso e provoca tanto sofrimento para algumas pessoas quando saem da figura de filha(o) e assumem o papel de mãe e pai, sendo esses papéis uma responsabilidade eterna. Claro que nós mães e também pais chegaremos numa idade em que o inverso acontecerá pois necessitaremos de mais cuidados de nossos filhos (as), mas isso não está diretamente colado na obrigação de um filho(a) por nós. Não se trata de obrigação, mas cuidar e zelar pelo Outro com o amor incondicional, não impondo condições implícitas ou explícitas.
Cuidemos do que estamos semeando para que nosso jardim esteja pronto para que as borboletas venham até nós e que não precisemos anunciar a necessidade delas : seja de forma direta ou indireta.
O amor é o que de mais belo existe no ser, pois, em essência, revela a esperança que deposita na humanidade e, por consequência, em si próprio.