Podemos falar da transmissão psíquica transgeracional. A transmissão psíquica é um processo inconsciente, ocorre em nível não-verbal, no qual o sujeito está inserido e alienado numa cadeia genealógica de significantes. O trauma, as relações intersubjetivas e o não dito, constituem lugares-comuns nas transmissões psíquicas.

Freud, e também os que fundamentam essa metapsicologia, que são retomados pela escola Húngara, Ferenczi e Balint, e também disseminados por seus representantes, Abraham e Törok, na França entre outros como Melanie Klein, psicanalista Inglesa, aprofundaram sobre este tema que é presentificado na nossa clínica atual.

“A transmissão geracional tem duas modalidades a intergeracional, transmitida pela geração mais próxima, pelos pais, na qual o material pode ser transformado e metabolizado, ou ainda comprometido e transmitido à próxima geração; e a transgeracional, em que o material psíquico da herança genealógica é inconsciente e não simbolizado, não é integrado no psíquico, este apresenta lacunas, elementos foracluídos, encriptados, e é transmitido por várias gerações.”

A família, o meio onde vivemos, é o espaço privilegiado para a transmissão transgeracional, nela se articulam diversos mecanismos de identificação projetiva e adesivas que se não forem transformadas perpetuarão nas próximas gerações.

“Freud (1974[1914]) em Sobre o Narcisismo: uma introdução vai dizer que o indivíduo leva uma existência dupla, uma para atender as suas finalidades e a outra como um elo numa corrente, que atende contra a sua vontade ou involuntariamente. Quanto aos pais, Freud destaca que a atitude desses para com os filhos é uma revivescência e reprodução de seu próprio narcisismo renascido, que remonta à infância, portanto infantil. Compulsivamente, os pais atribuem ao filho todas as supostas perfeições, esquecendo as deficiências ou limitações deles e da criança. Com isso, suspendem, em favor do narcisismo, em nome da criança, o funcionamento das aquisições culturais que foram obrigados a respeitar. A criança herdará os sonhos dourados e desejos irrealizados dos pais. Freud assinala que a formação, no indivíduo, de um ideal do eu, pelo qual a consciência tentará realizá-lo, surgiu da influência crítica de seus pais, que a transmitiram pela voz. A instituição da consciência foi, antes, uma personificação da crítica dos pais e, depois, da sociedade.”

Angela Piva (2009), em “A Fragilidade do Símbolo e a Transmissão Transgeracional”, e Carreteiro e Freire (2003), em “De mãe para filha: a transmissão familiar em questão”, trazem o modo multidimensional de pensar o sujeito na psicanálise, dos vínculos na tópica intersubjetiva, o sujeito como elo numa cadeia genealógica, integrado, no paradigma da complexidade.
A autora ressalta a dinâmica da subjetividade como efeito dos vínculos postulados pelos precursores.

Podemos dizer que se transmitem afetos, representações, fantasias, sistemas de relação de objeto, sistemas de ideais e valores, sistemas identificatórios, mecanismos de defesa, culpas, dívidas, mitos e também, o vazio, o significante em bruto, o negativo. Nada escapa à transmissão. (PIVA, 2009, p. 78).

As falhas de representações em uma geração se repetem na outra em forma de presentes ausentes. Piva, resgatando Abraham, salienta a fragilidade do símbolo, “o que era indizível para os pais, torna-se inominável para os filhos” (PIVA, 2009, p. 82).

Fonte:
FREUD, S. Sobre o Narcisismo: uma introdução (1914). In: ______. Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud Rio de Janeiro: Imago, 1974. v. XIV, p. 85-119. Edição Standard Brasileira.

PIVA, A. A Fragilidade do Símbolo e a Transmissão Transgeracional. Contemporânea – Psicanálise e Transdisciplinaridade, Porto Alegre, n. 07, p. 74-85, jan./fev./mar. 2009.

Fractal, Rev. Psicol. 25 (3) • Dez 2013. Transgeracionalidade psíquica: uma revisão de literatura.Mauro Pioli Rehbein; Daniela Scheinkman Chatelard
https://doi.org/10.1590/S1984-0292201300030000

Caroline Gouvea

CRP04/25492

Psicanalise/Saude Mental e Atenção Psicossocial

www.carolinegouvea.com