A relação do corpo e a adolescência em psicanálise.

Por Caroline Gouvêa Silva Wallner*

O termo adolescência se refere às transformações físicas e psicológicas que acarretam ao sujeito ao longo de seu desenvolvimento. Nesse momento de transição, entre o estado infantil e o estado adulto, várias perdas acontecem e a mais marcante seria a perda do corpo infantil.

Várias mudanças ocorrem nesse corpo, onde, segundo uma visão psicanalítica, as identificações do adolescente com o corpo dos pais, num primeiro momento ao se deparar com seu próprio corpo, lhe causam estranheza e isso pode ter várias conseqüências em seu desenvolvimento, levando-o aceitar ou não esse novo corpo.

A partir dos tabus que a sociedade foi criando, o corpo começou a se tornar estranho, principalmente no momento em que se descobria que esse corpo era alvo de desejo do outro e que também desejava outros objetos de amor sem ser aqueles primordiais (pai e mãe). Assim surgia o conflito, como é nomeado na fase da adolescência, com esse novo corpo.
Diante desse conflito, a presente pesquisa buscou abordar as transformações que acontecem no corpo do adolescente e que o influenciam nessa fase de transição da perda do corpo infantil para o corpo adulto, o despertar da adolescência e a relação desse sujeito com o novo corpo. Para isso foi necessário percorrer o desenvolvimento psíquico, sem perder de vista as mudanças que irão acontecer com esse corpo durante essa trajetória.

Os autores que deram suporte a essa pesquisa de cunho bibliográfico foram Sigmund Freud, Jean-Jacques Rassial, Jean Jacques Lacan, Teresa Pinheiro , Jean Bergês, enfim, autores que estudam o sujeito adolescente dentro da visão da Psicanálise.

A importância desse tema é relevante por se enquadrar dentro de um contexto atual de sociedade que estamos vivendo, um momento em que a globalização com sua gama de acesso às informações, faz com que a necessidade do sujeito se torne imediata, e isso pode refletir de uma maneira interna, como marcas no psiquismo, e externas, como marcas no corpo, à medida que esse novo sujeito entra em contato ativo com essa sociedade, que lhe impõe direitos e deveres.

Para se chegar ao estado adolescente, foi necessário retomar o estudo de Freud sobre o desenvolvimento dos estágios psicossexuais da criança, pois para o autor, os primeiros anos de vida são decisivos para a formação da personalidade do sujeito. O nome estágio psicossexual se remete às pulsões sexuais que levam à aquisição das características psicológicas.

Freud em os Três Ensaios sobre a Sexualidade, se refere à pulsão, utilizando o termo num primeiro momento não estando dirigido à outra pessoa, mas satisfazendo-se no próprio corpo, sendo auto-erótica.
Já o termo “psicossexual”, para Hall, Lindzey e Campbell, se refere á sexualidade genital, as forças sexuais que induzem os estágios desenvolvimentais refletem tipos distintos de prazer corporal .

Com isso, Pinheiro coloca que a sexualidade foi o ápice mais importante para sustentar a teoria da psicanálise. Dessa forma, a proposta de Freud sobre a concepção da sexualidade humana é considerá-la como um artifício da constituição do aparelho psíquico.

A parir disso, Pinheiro, 2001, acredita então que a adolescência é o momento exemplar para a compreensão “da dupla função da sexualidade, como articulador entre esse psíquico e o somático, e como metáfora da condição humana”( p. 70), e com isso, sendo o momento onde todas as feridas e fragilidades ficam expostas.

De acordo com a visão Freudiana, essa inicia o desenvolvimento psicossexual pelos estágios pré- genitais,começando pelo estágio oral.

Hall, Lindzey e Campbell, ressaltam que durante esse estágio que dura cerca de um ano, a boca é a principal região de atividade dinâmica. A principal fonte de prazer que se deriva da boca é o comer. Este envolve estimulação dos lábios e da cavidade oral e de engolir, ou, se o alimento não é agradável, do cuspir. Depois, quando surgem os dentes, a boca é usada “para morder e mastigar.” Assim esses dois modos de atividade oral,o de incorporar o alimento e o de morder, são protótipos de muitos outros traços de caráter que se desenvolvem. O prazer que se deriva dessa incorporação oral pode ser deslocado para outros modos de incorporação, como o prazer de adquirir conhecimentos ou possessões .

“O estágio oral é seguido pelo desenvolvimento de catexias e anticatexias em relação às funções eliminativas, o chamado estágio anal”. ( HALL, LINDZEY e CAMPBELL,2000, p.65). O que se leva em consideração nesse momento é o controle de reter e expulsar. Dependendo do método de treinamento que a mãe utiliza para retirar a fralda da criança, pode gerar efeitos importantes “sobre a formação de traços e valores específicos”.

Por outro lado,os autores ainda apontam que se a mãe for do tipo que elogia a criança no momento da evacuação, a criança irá adquirir a percepção de que isso é importante e poderá gerar a base para a criatividade e produtividade.

O estágio anal é seguido pelo estágio fálico, onde os órgãos genitais se tornam as áreas mais importantes.

Durante o desenvolvimento desse estágio, “os sentimentos sexuais e agressivos associados ao funcionamento dos órgãos genitais ficam muito claros”. Os prazeres da masturbação e a vida de fantasia que acompanham a atividade auto-erótica montam o cenário para o aparecimento do complexo de Édipo, o qual Freud considerou como uma de suas maiores descobertas. (FREUD apud HALL, LINDZEY e CAMPBELL, 2000, p. 66).

O comportamento da criança de três a cinco anos é marcado em grande extensão pela operação do complexo de Édipo, e mesmo sendo modificado e sofrendo repressão depois dos cinco anos, ele continua sendo uma força propulsora na personalidade do indivíduo.

O término do complexo de Édipo é seguido do período de latência, onde se desvia todo o investimento sexual do desejo, para o saber.Nesse período Freud coloca que a escolha de objeto é adiada, e irá se retomar na puberdade.

Pinheiro (2001), fala sobre a distinção do uso do termo adolescente para puberdade em Freud, onde esse o coloca como o momento onde se operam mudanças destinadas a dar à vida sexual infantil sua forma final normal (…) “(p. 2) , mudanças decorrentes do crescimento manifesto dos órgãos sexuais externos”.

Se deparar com essa nova imagem de corpo transformado, causa-lhe muita angústia, e mal-estar. Uma imagem que já foi simbolizada pelo psiquismo, e que agora diante do espelho, da imagem real, se vê transformada, retornando através de significantes pela fala ou no próprio corpo.

Nesse momento de sofrimento de se deparar com esse novo corpo, imagem, é preciso que o adolescente encontre onde escoar a onipotência do seu narcisismo e “o seu avesso de tristeza, luto e solidão”. ( PINHEIRO, 2001, p.75).

Um desses escoamentos é o espelho, onde Gurman (1996) ainda diz que esse, que não deixa que se perca nada do que representa, oferece àquele que olha sua imagem, como fim a realizar. Segurança enganosa de que nada se perdeu, e que no caso do adolescente, o faz recorrer à cirurgia, com finalidade estética para obter, enfim, a segurança de uma imagem complacente de “si-mesmo”, mas a armadilha é que o perdido não é especularizável.(…). (p.70).

Diante disso, Pinheiro lança a seguinte pergunta: O que seria possível para o adolescente no mundo de hoje? A autora coloca que seria um mundo de passividade diante da imagem e onde o valorizado parece ser o que se tem e não o que se é. E sem isso, os adolescentes se sentem excluídos, sem turma, deixando-os tristes e com sentimento de vazio. Por isso é muito importante o processo de identificação primária, que provém do nascimento do Édipo.

E assim, retornando a questão edipiana junto com a sexualidade genital, exige-se que o sujeito abandone o objeto de desejo primário para poder investir em novos objetos, uma vez que, os objetos de amor primário, são introjetados e ficam inscritos na forma de imagem simbólica no psiquismo do sujeito e que a partir dessas primeiras identificações com os pais, separar-se-ão, para enfim, individualizar-se e poder buscar seus novos objetos de amor.

Esse processo precisa estar muito bem estabelecido, pois a adolescência se remete a um retorno de um Édipo adormecido. O sujeito passa a ter a possibilidade e a maturação biológica suficiente para colocar em ato seu desejo edípico, e como o desejo e a fantasia se inserem no complexo de Édipo, é diante da sua elaboração, ou não, que se viabilizará a forma de condução para o sexual.

É perante todas essas transformações que o adolescente se descobre num novo corpo, que funciona como receptáculo. E esse corpo pode falar, através de marcas, como piercings e tatuagens, ou da própria linguagem, sobre sua angústia e mal-estar que as transformações que acontecem em seu corpo e em seu psiquismo lhe causam. Esse será um dos desafios para o estar adolescente.

Diante disso a sociedade de consumo oferece imagens como modelo de ideais de eu, onde a felicidade se baseia ao invés de “ser”, um modelo de como o sujeito deseja ser no futuro, passa a ser o que ele precisa “ter” para ser uma imagem”.(PINHEIRO, 2001, p. 76).

E o que contribui para essa alienação, é não conseguir lidar de uma forma “normal” com as transformações que acontecem no corpo, pois como ressalta Rassial (1999), “a puberdade fisiológica perturba a imagem do corpo construída na infância.” (p. 17). E para lidar com esse mal-estar, esse “ser estranho”, o sujeito encontra saídas como a depressão, suicídio, marcas no corpo, não conseguindo estabelecer um laço social,fazendo sintomas como, anorexia, bulimia, entre outros. (DIAS, 2000).

Devido à alta complexidade do tema, esse levantamento bibliográfico poderá despertar nos profissionais da Psicologia em particular e em outros profissionais de modo geral, a buscar um maior aprofundamento em seus estudos sobre o adolescente.

Caroline Gouvêa S. Wallner- Psicóloga Clínica desde 2006, pelo CES/JF, CRP04/25492. Estuda, vive e pratica a psicanálise há 16 anos, Especialista em Saúde Mental e Atenção Psicossocial pela Estácio de Sá. Pesquisadora em casos de Depressão e Ansiedade. Atende Adolescentes e Adultos. carolinegouveapsi@gmail.com