Todo psicólogo, psicanalista já ouviu dizer que o “paciente” foge do processo de análise, foge desta fala de algo inconsciente, que é estranho. Isso vem da ordem do insuportável. Ficam rodeando, pensando sobre a postura do analista, criam uma dificuldade para o horário, resistem em relação aos valores, mas na verdade é que as pessoas fogem de falar daquilo que é difícil, daquilo que incomoda.
Esta é minha segunda leitura do seu livro Diário De Analisando Paris, e tem uma frase que reflete, introduz e causa bastante efeito, de um lado pela beleza e simplicidade da frase, de outro por dizer algo que é real. Assim como escrever, o falar também é estranho, também estamos apresentando o inconsciente. “…Senti uma gota de alívio. Falar às vezes é estranho, mas quando a gente fala se des-estranha um pouco. “…pág. 21
A psicanalista Andréa Naccache escreveu um artigo que retrata sobre esta dificuldade da fala em análise. Segundo seu texto,” o psicanalista a quem daremos atenção é Jacques Lacan, que não deixou o problema acomodado dessa maneira. Lacan percebeu que a inversão era mais proveitosa: quem resiste à análise é sempre o analista. Sem escape, para nós, à responsabilidade.
Na clínica lacaniana não cabe, por princípio, a circulação repetitiva de idéias. É claro que o analisando (que, na clínica lacaniana, é impaciente) repete conteúdos em sessão. É quase o samba de uma nota só. O problema da resistência aparece quando o suposto analista (não vamos dizer que um profissional tão despreparado seja analista) também se prende àqueles conteúdos de forma reincidente. Se a cabeça do clínico é redundante, o analisando fica sem saída.A análise lacaniana tem outra via. Ela não sedimenta discursos, raramente aceita o retorno das queixas. Ao contrário, despoja a pessoa de seus hábitos de pensamento. Um analista com esta orientação há de ser ágil, e pode ser desatento. Não deixa as idéias permanecerem. Pode até esquecê-las, ou o extremo contrário: faz uma queixa ficar tão enfática que a pessoa se incomoda com ela no mesmo instante.”
Assim, uma análise começa com um falatório tateante, uma produção de saberes sem verdade. O analisando vai sondar as falhas da sua visão de mundo. Expressa queixas contraditórias, percebe-se incoerente. A nós, analistas, cabe acolher as besteiras. É com elas, precisamente, que se faz a análise – diz Lacan em 1972.” ….Soltar o saber, deixar rolar o discurso, e começar a descobrir seus efeitos, causa sobretudo um enlevo, uma sensação de enamoramento no analisando.” Andrea Naccache.
Mas não é com o psicanalista que a relação mais forte está se armando. É com a linguagem.
É claro que há um momento na análise em que, por excelência, gera resistência. É neste ponto que fazer análise dói.
Neste momento faço outro recorte no texto de Claudio Pfeil, Diário de um analisando em Paris. A analista diz _ Trata-se não somente de desejar, mas de poder desejar, poder escolher o que se quer, poder querer…pág. 22….
…”A palavra lavra, palavra. Eu-ternidade:lavra das palavras.
Atravessei a ponte no rastro destas: é preciso saber dar a si próprio os meios de seu desejo….”pág 23.
Finalizo este momento de leitura e estudo com um trecho de Pierre Rey – jornalista que freqüentou o consultório de Lacan por 10 anos e legou um dos mais belos relatos de tratamento já escritos, Uma Temporada com Lacan :
“Com Lacan, aprendi a nomear as coisas. Não recuando jamais diante de uma palavra, era para mim difícil, desde que ela valesse a pena ser defendida a título de uma ética, bater em retirada diante de uma situação. Não tendo mais medo das palavras, como eu poderia temer as coisas?” (Pierre Rey, op. cit., p. 216. Tradução livre).
Desta forma inicio minhas costuras, meus enlaces e encontros com as palavras, minhas leituras, minhas travessias. Carol Gouvea para Psicanálise e Amor: uma transmissão.