30/12/2015

Chegou o momento de fazermos uma retrospectiva de um ano que está próximo de terminar. Colocamos no papel ou em nossos pensamentos os desejos, as promessas, as missōes e começamos a avaliar o sucesso ou o fracasso dos mesmos. Alguns fazem um grande esforço para nāo olhar e nem pensar em fracasso, e os transforma em novos desafios, outros olham apenas para as conquistas, as relizaçōes, os momentos de felicidade. Desta forma é possivel pensar que tanto uma retrospectiva de como foi o ano e uma elaboraçāo de uma prospectiva para o ano futuro sāo bem vindas, ou seja, sāo positivas.

Lendo Freud, percebemos que ele permaneceu sempre se interrogando, conforme o trecho abaixo, que consta de uma correspondência que durou trinta anos, entre ele e o pastor suíço Oskar Pfister: “Na ciência, primeiro é preciso decompor, depois reunir.  Na técnica psicanalítica não há necessidade de um trabalho especial de síntese; isto o indivíduo autonomamente providencia melhor que nós. (FREUD a PFISTER, 2009 [1909-1939], p. 83).[…] toda descoberta é feita mais de uma vez, e nenhuma se faz de uma só vez” (FREUD, 1917a [1916] /1996 p. 305).

O Facebook também é um grande aliado nesta retrospectiva, o tempo todo fica nos mostrando aquilo que foi postado no ano anterior. E com isso fico refletindo: o que você quer que o outro veja? Pra que você mostra tudo isso? Pra quem você mostra tudo isso? Isso é para você ou é para o outro? Lacan diz que somos constituídos de significantes. Ao nascer recebemos um banho de linguagem, e é pela via do significante que serão fornecidas certas balizas para sua conduta, certa orientação permitindo que você saiba como se conduzir na vida. O sujeito ao nascer já encontra uma série de falas que o antecedem:: uma mulher honesta, um homem corajoso, uma pessoa feliz e bem sucedida etc , e é em relação a esse discurso do Outro que o sujeito vai se constituir. Contudo, isso não nos autoriza de modo algum a dizer que o significante confere ao sujeito uma identidade.
Pois não é dado a ninguém saber como se comportar para ser um digno membro de sua família, como agir para ser uma mulher honesta, ou que regras seguir a fim de se tornar corajoso. Quando a um sujeito é designado certo lugar na rede simbólica, não devemos então nos ater a conceber tal lugar como uma casa na qual o sujeito vai confortavelmente se instalar, mas sim como um caminho no qual ele vai se perder. Uma vez que somos feitos de significante, nunca seremos senhores em nossa própria casa. Portanto, mais do que conceder um ser ao sujeito, o significante opera, antes de tudo, um esvaziamento de ser.
Nesta decomposiçāo que Freud nos demonstra para posteriormente reunirmos gera-se um desconforto, uma dúvida que por sua vez provoca uma incômodo e que nos faz movimentar. “ A dúvida é o princípio da sabedoria.” Aristóteles.

Mas nāo é isso que diz a civilizaçāo, pois um processo que gera dúvida também provoca sofrimento e a sociedade nāo está a fim de pagar este preço. Nós brasileiros já sofremos muito, se pensarmos na política do nosso país entāo…nāo quero sofrer, quero uma pílula da felicidade, quero mostrar na revista caras mundial, o facebook, o quanto estou feliz. E com essa mostraçāo de estar bem e feliz o tempo todo, o sujeito está se entristecendo cada dia mais. Uma sociedade cada vez mais deprimida porque é proibido sofrer, é proibido fracassar, é proibido errar. O facebook pergunta: Como você está se sentindo hoje? Espera-se que alguém do outro lado responda. Será que essa interaçāo é real ao ponto de envolver o envolvimento afetivo? Nāo quero aqui neste texto criticar a forma do uso do facebook, mas quero através deste texto também provocar uma reflexāo, um incômodo, assim como ficamos incomodados com a nossa restrospectiva anual. Ressalto este processo que a sociedade tem evitado: a dúvida, o incômodo, o fracasso, o erro. A civilizaçāo busca a verdade completa, conclusa, fechada, o êxito, a categorização, os padrões, as curas das doenças, a eliminação completa dos sintomas, evitando falar e lidar com o sofrimento, a angústia, a despeito dos sacrifícios aí empreendidos.

Cito Fernando Pessoa para refletirmos sobre este tempo, tempo em que nem mesmo nossas crianças podem mais ser criança, pois a sociedade com seu enquadramento e significantes diz: estamos adultizando as crianças. Talvez por um lado sim, o da exposiçāo da imagem na mídia, o excesso de cursos para que seu filho nāo fracasse no futuro, o excesso da vaidade e do consumismo e por aí vai, mas quem nomeia tudo isso para a criança? Os adultos. Assim como ressaltei anteriormente: “ Ao nascer recebemos um banho de linguagem, e é pela via do significante que serão fornecidas certas balizas para sua conduta, certa orientação permitindo que você saiba como se conduzir na vida.”

Nestas prospectivas pensemos nestes fracassos, nestas frustraçōes que você, adulto, tem proporcionado como um momento de reflexāo para si mesmo e para seu filho(a).” É preciso decompor, depois reunir.” Novamente: a dúvida gera uma angústia, um incômodo e que pode provocar um movimento, uma escolha : positiva ou negativa. É você quem decidirá sobre se responsabilizar a partir da sua escolha.

Criaremos, planejaremos e até sonharemos na expectativa de sermos melhores que antes. “ É preciso ser sem escrúpulos, expor-se arriscar-se, trair-se, comportar-se como o artista que compra tintas com o dinheiro da casa e queima os móveis para que o modelo não sinta frio. Sem alguma dessas ações, criminosas, não se pode fazer nada direito.”
Sigmund Freud A Pfister, 5 de junho de 1910.

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
(…) Álvaro de Campos (heterônimo de Fernando Pessoa) em Poema em linha reta.

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Caroline Gouvêa S. Wallner- Psicóloga Clínica desde 2006, pelo CES/JF, CRP04/25492. Estuda, vive e pratica a psicanálise há 16 anos, Especialista em Saúde Mental e Atenção Psicossocial pela Estácio de Sá. Pesquisadora em casos de Depressão e Ansiedade. Atende Adolescentes e Adultos. carolinegouveapsi@gmail.com

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