A geração do “quarto”.

Por: Caroline Gouvêa* 19/01/2023

De qual quarto estou me referindo? Do quarto mental interno que se estende para o mundo externo.

O quarto que acaba sendo o único lugar para tentar conter a sombra que habita dentro de si.

Este grupo de crianças e jovens apresentam uma situação patológica disruptiva e abrupta. Um padrão com muita impulsividade onde tudo passa à frente, com o discurso de “não perder tempo”, ao mesmo tempo que não faz renúncias e ganha algo com isso.

Estabelecem relações frágeis e descartáveis.

Quem me olha? Quem me avalia, eles se perguntam?

O que está acontecendo com a vitalidade destas crianças, jovens, filhos “do quarto”?

O isolamento e a falta de contato pessoal, indiretamente pode nos indicar um tipo de “suicídio”, onde o adolescente deixa de existir.

Eles fazem qualquer negócio para sumir ( dormir).É uma forma de não enfrentar o sofrimento de que a vida é uma constante ambivalência, há perdas e ganhos ao mesmo tempo e o tempo todo.

Precisamos lembrar que há formas que não são diretas de suicídio(um comportamento  impulsivo sem previsão de risco, por exemplo), e aprender a se relacionar com estas angustias depressivas.

É como se a “geração do quarto” encontrasse um refúgio em si mesmo e nesta extensão, porque de alguma forma, o meio externo onde vive também está tão deprimido e sem vida que não veem formas de saída. O quarto interno de cada pessoa dentro da casa vai influenciando de forma indireta para o jovem ficar ou sair deste espaço. É preciso avaliar se estamos falando de uma casa habitada por várias pessoas sem vida, sem pulsão de vida.

Nós analistas acompanhamos por onde a pulsão de morte está passando, qual é a fresta que está aberta para contê-la, e não focamos apenas no aspecto do comportamento em si. Aos poucos vamos encontrando junto com o paciente outras formas para conter tudo isso que lhe assombra.

No consultório venho observando nestes jovens um discurso comum: sou controlado o tempo todo pelo Outro (pai ou mãe os primeiros objetos de amor),” não consigo respirar”, “tudo tem que ser na hora e no tempo deles”; “não posso ter e fazer no meu tempo, tudo tem que ser no tempo do Outro.” Há um excesso de presença do Outro e isso faz com que estes jovens não consigam vivenciar a angústia da falta. É ela quem promove a vida e desejo de viver.

Eles não podem experimentar a falta de sentir falta.

É na ausência, na falta que aparece o desejo de criar, buscar e fazer. O excesso de presença mortifica o sujeito, ele passa a não existir no desejo do Outro, funciona apenas como uma extensão. Uma simbiose.

Percebe-se uma falha na defesa e o sintoma aparece na forma de se relacionar. Aparece uma defesa precária, sem reservas, onde o Eu barra a angústia para não se encontrar com a dor de que “eu não sou tudo isso”, e experimentar a castração, logo uma parte depressiva, de que não funcionamos no tudo ou nada, e sim que podemos ganhar em partes e perder em partes. O universo de tudo lindo, perfeito, magnífico, sem dor e sofrimento é uma ilusão.

Há uma luta entre o querer mais não posso na medida que dentro deste quarto interno existe um pensamento que diz que ele merece ser punido por não ter sido “bom o suficiente para o Outro”. Passou na minha cabeça neste momento a fala para a criança: “ _ Se você não se comportou bem e não foi uma boa pessoa durante o ano o “papai Noel” não lhe dará um presente, uma recompensa. Uma condição, uma troca. Mereço não mereço.

 Um Outro que exige tudo o tempo todo como sua imagem e semelhança, sem erros e falhas.

 Muito triste isso. O quarto interno vai ficando sombrio e assustador e desta forma a criança, o jovem também lê o mundo externo nesta intensidade. Há um Outro aniquilador, voraz crescendo dentro dele.

Pai, mãe, cuidadores, professores, escolas, instituições,empresas, adultos, qual o papel que vocês têm apresentado para as crianças, adolescentes e jovens? Um papel controlador, sufocante, voraz, com excesso de saber e presença, ou um papel acolhedor com vida que permite espaço para o sujeito pensar, criar, falar, errar, frustrar e existir?

Ser e existir é viver num mundo que existe frustração e através dela podemos pensar, construir, criar e transformar.

Caroline Gouvêa S. Wallner

CRP04/25492

Psicanálise, Saúde Mental e Atenção Psicossocial.

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