“O amor se conjuga com o outro”.

Autora: Caroline Gouvêa S. Wallner– 12/06/2020

Vamos falar sobre o AMOR, e o AMAR… Duas vias: de dentro para fora e de fora para dentro.

“As pessoas sofrem de fome de amor”, diz o psicanalista Joel Birman.

Freud sempre enfatizou que a saúde mental dos indivíduos e consequentemente das sociedades está na capacidade de amar (a si mesmo e ao outro).

Mas que amor é este ao qual ele se refere? Trata-se do amor por si mesmo, aquela pulsão de vida, pela vida, pelo mundo, pelas coisas do mundo, pelas pessoas, pelo outro além de si mesmo. É ter a capacidade de se encantar com as coisas mais simples da vida.

No primeiro momento da vida nós precisamos ser cuidados pelo Outro e dependemos dele para sobreviver. Neste ponto faço referência a mãe ou a função materna, à maternagem. Quando nos sentimos desamparados é  para essa primeira experiência de amor  a qual recorremos.

Freud diz que nosso aparelho psíquico tem que funcionar para não morrermos.Precisamos de bordas e fronteiras para nos proteger.  Nós temos que nos organizar simbolicamente para que nossa vida biológica seja viável, com o outro e através do outro.  O Eu só existe em relação ao Outro. Há uma experiência de alteridade fundante.

Jacques- Miller diz: “Para amar, é necessário reconhecer que se tem necessidade do outro”.

Dizia Freud em 1914 na Introdução ao Narcisismo: “Em última análise, precisamos amar para não adoecer”.

O amor conduz a processos sublimatórias como um fator  importante para a manutenção do equilíbrio psíquico, e garante outros destinos pulsionais tais como a criação e, sobretudo, a inserção social do sujeito.

“Quem ama não pode dar tudo o que o outro pede. Se der tudo, o outro nao sentirá a falta e nem o procurará.” Caroline Gouvêa

O mito do Narciso conta sobre a história da origem de uma flor com o mesmo nome. Uma flor muito bela que só poderia ter sido criada a partir de uma pessoa muito bela. O Narciso do mito era um jovem muito belo e por conta disso, vivia cercado de ninfas. Em alguns relatos encontramos que Narciso era mimado, tinha tudo e mais um pouco, era querido e constantemente elogiado. Todas o amavam, mas ele não sabia o que era amar. Narciso apenas sabia o que os outros falavam dele, mas ele não sabia sobre si mesmo.Ele não podia se ver e saber da sua história, segundo a revelação de um Oráculo para sua mãe. Como reconhecer aquilo que eu não sei?

Narciso não sabia o que era perder, o que era frustração. Quando temos de tudo, quando todas as nossas necessidades são sanadas, não sabemos o que é a falta, não valorizamos o que realmente é especial e importante, e não sabemos nos doar para os outros. Narciso não sabia amar, nem a si mesmo uma vez que não se reconhecia, e muito menos amar o outro. Amamos porque alguém endereça a mim um amor, um desejo e  o reconhece como um espelho.

Por que Freud nos mostrou através da psicanálise, com a transferência, que a possibilidade de cura/ sublimação é através do amor? Na transferência, o sujeito mostra o que não sabe sobre si, mas sabe inconscientemente, um enigma que está para além de sua compreensão e que anuncia toda uma gama de conteúdos estranhos à consciência. Ele vai ao encontro da falta , fio condutor e mola que promove um movimento. Nesse sentido, a transferência é a via régia de acesso ao inconsciente.

Dizem que o amor é sempre uma repetição porque só é possível amar se um dia se foi amado, nomeado, endereçado pelo Outro,  de modo que o sujeito busca nas experiências de agora a (re)vivência das satisfações que ficaram anteriormente marcadas no psiquismo. O sujeito re-vive, com seus restos e rastros a forma como foi sua primeira  relação com o Outro,  e a projeta no mundo. Neste sentido, a transferência é  ao mesmo tempo uma resistência e uma demanda de amor, que não pode ser inteiramente suprida.  E por que o analista não sustenta este anseio do analisante? Porque é neste espaço, de ausência e presença,  que o sujeito pode Ad-vir com o seu próprio desejo, sem estar colado, condicionado ao Desejo do Outro.

Ao ser amado, portanto, poderá amar. E se não recebe amor, num primeiro momento, na relação primária, isso não o determinará. Essa relação pode ser construída, por exemplo, através da análise.  Não nos surpreendemos que cada nova música tente dizer algo a mais sobre o amar e o ser amado, que cada nova relação traga em si um tanto de esperança, assim como a cada dia uma nova possibilidade se abra. Nunca dizemos tudo sobre o amor. Como salienta Lacan o “amor é uma metáfora” que estamos a todo o momento tentando desdobrar. Mas é preciso amar para não adoecer.

A frase de Freud de que a cura se dá pelo amor pode ser desdobrada ainda mais neste sentido: a cura se dá pelo amor que o próprio analisante irá doar na sua análise e que, por circunstâncias da própria relação transferencial, este amor retornará a ele, não no sentido de troca amorosa, mas fundado na própria possibilidade que se institui na análise de que o sujeito possa vir a amar a si mesmo.

Portanto:

“O amor se conjuga com o outro”. Caroline Gouvêa

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Sobre a Autora:  Caroline Gouvêa S. Wallner* CRP04/25492- Psicóloga (2006); Especialista em Saúde Mental e Atenção Psicossocial; Psicanálise. Editora e responsável pelo o Psicanálise e Amor .  Atendimento clínico há 16 anos. Contato:  (15) 98119-7327 carolinegouveapsi@gmail.com

Bibliografia:

BAUMAN, Z. Amor líquido. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

FREUD, Sigmund. Observações sobre o amor transferencial (novas recomendações sobre a técni- ca da Psicanálise III). In: ______. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 2006. v. XII (publicado originalmente em 1915).

______. Sobre o narcisismo: uma introdução. In: ______. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 2006. v. XIV. (originalmente publicado em 1914).

FREUD, S. Psicologia de grupo e a análise do ego (1921). In: ______.  Além do princípio de prazer, psicologia de grupo e outros trabalhos (1920-1922). Direção-geral da tradução de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1977. p. 91-184. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 18).

PIRES,Luísa Puricelli. A CURA PELO AMOR: FLUTUANDO PELAS IMPOSSIBILIDADES DE AMAR . SIG revista de psicanálise.pag. 41a45. Disponível em: A CURA PELO AMOR- FLUTUANDO PELAS IMPOSSIBILIDADES DE AMAR.pdf