Por: Caroline Gouvêa S. Wallner*
O Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) acomete em torno de 3% da população mundial (atualmente estimada em quase 7,5 bilhões de pessoas). Parece pouco, mas estamos falando de milhões de pessoas no mundo inteiro.
Apresento alguns dos sinais e sintomas característicos do transtorno obsessivo compulsivo (TOC) e suas manifestações associadas:
– As obsessões ou ideias obsessivas = são pensamentos que vem à cabeça independente da vontade da pessoa, aparecendo repentinamente e repetidas vezes. São ideias irreais. A pessoa tem consciência que é uma ideia e que não faz sentido, mas fica apavorada apenas em pensar nela.
– As compulsões ou rituais compulsivos = são ações ou rituais que o sujeito sente-se na obrigação de realizar para aliviar ou evitar as obsessões e repetições.
Quando o sujeito não efetiva o ato para concretizar os rituais, ele tem um sentimento de sofrimento e ansiedade que o deixa com dificuldades de realizar outras ações. Para poder diagnosticar uma pessoa como portadora de TOC é necessário que as obsessões e/ou compulsões estejam interferindo ou limitando a realização de suas atividades diárias, que causem sofrimento ou incômodo ao sujeito e que consumam tempo.
Baseado na minha experiência clínica com uma escuta psicanalítica, apresento uma reflexão sobre o transtorno obsessivo compulsivo. Durante estes anos tenho recebido tanto homens como mulheres, cada vez mais jovens (11-12 anos), sofrendo com estes pensamentos irreais que aprisionam o sujeito, mudando sua forma de agir e se posicionar no mundo. Nestes sinais e sintomas da obsessão e compulsão há a presença da dúvida, o pensamento obsessivo sobre algo irreal, alguns casos também envolvem a mania com rituais e a compulsão.
Neste artigo desejo abordar uma reflexão mais provocadora sobre a subjetividade do sujeito além destes traços.
Em psicanálise olhamos para o sujeito como dinâmico apesar da sua estrutura psíquica. A avaliação diagnóstica será observada a partir da estrutura psíquica de funcionamento do sujeito, sendo ela neurose, psicose ou perversa.
Em seu livro, Neurose Obsessiva de Maria Anita Carneiro Ribeiro, aborda a questão política do discurso capitalista de anular o sujeito do desejo e substituí-lo para o consumidor passivo. “A neurose obsessiva é um distúrbio que produz sofrimento psíquico e que aponta para os impasses do sujeito com o seu desejo inconsciente. Já o TOC, na abordagem e descrição do CID 10 é uma doença cerebral, com a qual o sujeito não tem nada a ver e que deve ser tratada com remédios. Depois da moda da depressão medicada, temos o obsessivo também reduzido a um doente que precisa ser medicado.”
Não podemos reduzir o sujeito ao ponto de apenas olharmos para os sintomas.
Em psicoterapia temos que oferecer para esse sujeito que sofre uma possibilidade de conviver com aquilo que o faz sofrer e, conviver com seus sintomas de uma forma inclusiva em todos os contextos. Em psicanálise, não olhamos apenas para a cura como eliminação de um sintoma, existe uma possibilidade do sujeito viver, (com)viver e existir com seus sintomas.
Na sequência exponho a fala de um paciente que sofre com TOC, apresentando um ritual de limpeza das mãos, que faz o tratamento com medicamentos e psicoterapia, e que convive com seus sintomas: “ A diferença é que agora eu aperto a mão. Os pensamentos vêm e vão. Mas agora consigo espantá-los. “
É importante salientar que devemos a Freud “a invenção” da neurose obsessiva. Foi em 1986, no texto “A hereditariedade e a etiologia das neuroses”, que Freud tornou pública sua inovação nosográfica , em função das suas pesquisas sobre o inconsciente , foi necessário situar junto à histeria a neurose de obsessões. Antes de Freud, o quadro que conhecemos hoje como neurose obsessiva era considerado uma manifestação de mania e pertencia ao quadro das psicoses.
“Pinel, Esquirol, J.P Falret e Legrand du Saulle, grandes psiquiatras clínicos, descreveram a neurose obsessiva como mania sem delírio, a monomania do raciocínio, a loucura da dúvida, a patologia da inteligência, ora acentuando a alteração da conduta do sujeito afetado, ora sublinhando a sua alienação parcial. “
Do ponto de vista médico, o transtorno obsessivo-compulsivo é uma doença marcada por obsessões e compulsões que ocorrem de forma persistente, podendo afetar rotinas, relações pessoais e profissionais do sujeito acometido por este transtorno, podendo tomar horas do dia, fazendo com que este, muitas vezes se isole para que seus rituais não sejam percebidos por familiares e amigos.
Mesmo sendo os sintomas mais característicos do TOC, as obsessões e as compulsões, não podem ser consideradas separadamente durante o processo diagnóstico, afinal esses mesmos sintomas são parte de outros quadros clínicos como depressões, esquizofrenias e demências. Podendo ainda, ser consideradas manifestações normais em certas etapas da vida, como durante a gravidez e o puerpério (TORRES, 2004).
O TOC foi considerado por muito tempo um dos transtornos mais complexos, principalmente no que diz respeito ao tratamento. “Ele era tido como raro, sendo que a prevalência do TOC é hoje de cerca de 3% da população mundial” (KARMO et al 1998 apud RIGGS; FOA, 1999, p. 220). Esses autores consideram que a idade de início do transtorno varia do início da adolescência até meados da segunda década de vida, ocorrendo geralmente mais cedo nos homens (13-15) e mais tarde nas mulheres (entre 20 – 24).
A Neurose Obsessiva descrita em psicanálise por Sigmund Freud, desde o início de seu estudo, ressaltando estes aspectos no texto: “O homem dos ratos”, o qual contribuiu enormemente para a construção da teoria psicanalítica.
Não há até hoje um consenso em relação a se, a neurose obsessiva descrita por Freud, poderia ser igualada ao que hoje a psiquiatria moderna descreve como Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC), fato é que poderemos encontrar pouca diferenciação na descrição feita por Freud e no que hoje se denominam os sintomas desse transtorno. Deixemos que a comunidade científica nos responda essas dúvidas.
Há uma tendência a medicar e reduzir a subjetividade, domá-la e impor-lhe regras de adequação. Se a proposta da reforma psiquiátrica é incluirmos o sujeito respeitando sua subjetividade e seus aspectos bio-psico e social, como profissionais não podemos cair no reducionismo higienista e enquadrar o tratamento do sujeito apenas olhando para seus sinais e sintomas. Precisamos ir além destes traços para não retornarmos ao modelo hospitalar, enquadrando o sujeito por um nome.
*Caroline Gouvêa S. Wallner- Psicóloga Clínica desde 2006, pelo CES/JF, CRP04/25492. Estuda, vive e pratica a psicanálise há 16 anos, Especialista em Saúde Mental e Atenção Psicossocial pela Estácio de Sá. Pesquisadora em casos de Depressão e Ansiedade. Atende Adolescentes e Adultos. carolinegouveapsi@gmail.com
Referências:
Classificação Internacional de Doenças – CID-10. Organização Mundial de saúde. 7 ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1999.
FREUD, Sigmund. O Homem dos Ratos . Obras Completas, vol X – (1909) Notas sobre um caso de neurose obsessiva.
GRAEFF, Frederico G. Transtornos de ansiedade. São Paulo: Atheneu, 2004.
RIGGS, David S.; FOA, Edna B. Transtorno obsessivo-compulsivo. In: BARLOW, David H. Manual Clínico dos Transtornos Psicológicos. Porto Alegre: Artmed, 1999.
RIBEIRO, Maria Anita Carneiro. A neurose obsessiva. 3 ed.- Rio de Janeiro: Zahar,2011. ( Coleção Passo a Passo; 23).
http://www.saudemental.net/transtorno_obsessivo_compulsivo.htm
ROSARIO-CAMPOS, Maria Conceição do and MERCADANTE, Marcos T. Transtorno obsessivo-compulsivo. Rev. Bras. Psiquiatr. [online]. 2000, vol.22, suppl.2, pp.16-19. ISSN 1516-4446. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-44462000000600005.
TORRES, Albina Rodrigues. Transtorno obsessivo-compulsivo. In: HETEN, Luiz Alberto;